A primeira coisa que eu quero que você entenda é que não,
não estou nervosa. Isso não é um manifesto, não gosto de manifestos. Eu não venho por meio
desta a fim de levar você a lugar algum, embora eu saiba que você, muitas
vezes, se sente assim.
Você se sente assim quando não entende uma doutrina, mas não
sabe a quem perguntar, ou não tem com quem debater. Você sente que está indo a
lugar algum quando você, sedento pela palavra, encontra por repetidas vezes um
devocional exposto em púlpito que faz você “preencher o buraco do seu dente”
espiritual. Você se sente assim quando passa por situações que “SÓ DEUS SABE”;
e só Ele sabe mesmo e, em sua misericórdia, se interessa por ouvir suas
“queixas e lamentações”, pois você passa
a pensar que não pode contar com mais ninguém, e raramente pode mesmo.
Mas por que seu
Pequeno Grupo não basta? Por que seu pastor ou líder não bastam? Por que
seu melhor amigo não basta? Por que a graça de Deus não basta? Por que a Palavra Santa não lhe basta? Creio que se a última pergunta for respondida, todas as
demais serão ferozmente trucidadas.
Nesses últimos dias eu tenho acompanhado uma polêmica chamada “Bíblia Freestyle [2]”.
Por respeito a você, caro leitor, não vou começar pelo final, que culmina
na mais profunda decepção com o intelecto humano. Ao invés disso, prefiro
enumerar uma série de motivos pelos quais a Palavra de Deus vem sofrendo
trágicos e cômicos (bem que tentaram!) ataques, sem precedentes e, cá entre
nós, de tirar o fôlego!
Primeiro motivo: falta ser crítico. Ainda que você seja um
ateu, ainda que nada que há na Palavra de Deus componha seu pensamento ou ética,
é possível se posicionar diante da Bíblia cristã com um olhar crítico voltado
para os aspectos literários que a compõe. Apenas UM exemplo de como se fazer
isso: analise as metáforas implícitas nas parábolas que Jesus
contou (ou explícitas, quando são explicadas).
Escolho como exemplo, o versículo de Mateus 6:21, no qual lemos:
“Onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração”. Propositalmente
seleciono este versículo que considero, enquanto critico literariamente, uma
das mais belas metáforas de toda a literatura. Explicações sobre o versículo em
si eu não tenho no momento, mas quero que você perceba que “tesouro” aqui não é
tesouro, desses que o Jack Sparrow[3]
caça (fica a dica pra bíblia freestyle,
põe o Jack Sparrow no lugar do Apóstolo Paulo!), mas temos uma metáfora que
ilustra, de imediato, aquilo que mais tem valor para você; e “coração”, que não
é “coração”, esse que anatomicamente deveria neste momento estar mandando
sangue para seu corpo todo (e às vezes acho que há falta no cérebro), mas é uma representação abrangente do que
seria seu ser, seu intelecto, sua alma.
Com essa atitude você iria compreender
a complexidade das verdades bíblicas, e não iria desvalorizar, literariamente,
a importância desse livro. Ainda que você odeie literatura, não tem problema. Ler você
sabe, e essa é a única coisa que eu sei sobre você!
E acaso há outras formas de entender porque a aberração “freestyle” passou a existir?
Falta pudor! Exato, vergonha na cara mesmo. Minha mãe diz
que hoje em dia não se tem mais vergonha nas nádegas, quanto mais na cara. Não
queria chegar a tanto, talvez pareça mesmo que eu fui longe demais; porém,
quando seu corpo não é mais algo privado e totalmente pessoal, suponho que seu
intelecto, sua mente, também esteja fora de seu controle. Então você engole:
engole opiniões, engole novas ideias, das quais você mesmo discorda, porque se
opor dá mais trabalho. Engole a política no Brasil, engole Big Brother edição
dois mil cento e oitenta e engole a bíblia freestyle.
E quando “freestyle” for muito “mainstream[4]”,
você engole a próxima, e a próxima, e mais vinte, já que o oposto de engolir pra
você possa parecer que é “vomitar”. E numa atitude de vergonha e nojo, eu não
engulo essa falta de pudor instaurada nos corpos e nas mentes do cristão
contemporâneo. E digo mais: se você não tem vergonha de ser um pecador corrupto
e depravado, a gente não tá na mesma vibe[5].
E por fim, falta temor ao Senhor de todas as coisas. O que
acontece, na minha opinião, é que assim como desde Platão estão discutindo o
que é “justiça”, o que é “beleza”, ainda hoje tem gente discutindo o que é
“temor”. Muitos nem se perguntam o que é isso. Aqueles mais ousados, metidos a
filósofos, param e refletem sobre o que significa temer ao Deus de Abraão, de
Isaque, de Jacó, o Deus que enviou o Messias pra nos tirar da mais profunda
miséria, e acredito mesmo que aqueles que se perguntam “o que é temor?” passam
a exercitar o conceito em suas vidas. Temor é um exercício. Não é todo dia que
você acorda “temente” a Deus, porque o nosso pecado nos torna extremamente
bravos e corajosos quando temos que confrontar as ordens do Pai. Acho que ser
crítico e ter vergonha na cara são passos importantes pra que a Palavra lhe
seja suficiente, mas nada, repito quantas vezes você
quiser, NADA se compara a uma leitura da Palavra com temor, sabendo que quem
observa e julga nossos atos, o Deus a quem tanto tentam alcançar, inclusive em
“estilo livre”, está mais perto do que podemos imaginar, e mais interessado em
nossos atos do que gostaríamos, talvez e sendo sinceros, que Ele estivesse.
É minha confissão: eu creio que cada letra desenhada teve um
propósito, principalmente num mundo antigo escasso em papel (ou papiro, como queira), e num mundo em que
a perseguição da igreja tirava vidas e rasgava relatos.
Se você resolver levar a Palavra de Deus a sério, como deve
ser levada, tudo o mais que você obtiver lhe bastará, porque essa mesma palavra
o guiará rumo à satisfação espiritual.
Não, não estou nervosa, e eis a minha conclusão: a Bíblia “freestyle” existe porque a Bíblia “Old School[6]”
não basta; a bíblia em estilo livre existe porque o olhar sobre a bíblia
original está estragado e desprovido de informação sensata, fidedigna e justa,
desprovido de intelecto coerente, controlado pelas informações sensatas que
mencionei, e desprovido de temor àquele que pondera seus atos e os julga com
uma sabedoria que não se pode explicar, nem se eu tentasse parafrasear.
Paula Tavares é cristã, membro da Igreja Evangélica no
Bosque, em São Paulo, desde 2002.
É bacharel em Letras pela USP e Mestre em Literatura
Portuguesa, também pela USP.
Muito boa a reflexão! Dá para nos ver nas palavras da irmã Paula Tavares. Vamos ficar aguardando o livro que ela vai nos brindar para nosso enriquecimento espiritual. Agliberto Ribeiro, de Vitória/ES.
ResponderExcluirPaula Tavares parabéns por sua inspiração e pelas suas sábias palavras, que muitos não têm a sua coragem de escrever e falar. Alcides Pinto - Vitória-ES.
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