sexta-feira, 15 de março de 2013

Paráfrase ou Paródia

(Reproduzo neste espaço o excelente texto da amiga Paula Tavares)


A primeira coisa que eu quero que você entenda é que não, não estou nervosa. Isso não é um manifesto, não gosto de manifestos. Eu não venho por meio desta a fim de levar você a lugar algum, embora eu saiba que você, muitas vezes, se sente assim.

Você se sente assim quando não entende uma doutrina, mas não sabe a quem perguntar, ou não tem com quem debater. Você sente que está indo a lugar algum quando você, sedento pela palavra, encontra por repetidas vezes um devocional exposto em púlpito que faz você “preencher o buraco do seu dente” espiritual. Você se sente assim quando passa por situações que “SÓ DEUS SABE”; e só Ele sabe mesmo e, em sua misericórdia, se interessa por ouvir suas “queixas e lamentações”, pois  você passa a pensar que não pode contar com mais ninguém, e raramente pode mesmo.

Mas por que seu  Pequeno Grupo não basta? Por que seu pastor ou líder não bastam? Por que seu melhor amigo não basta? Por que a graça de Deus não basta? Por que a Palavra Santa não lhe basta? Creio que se a última pergunta for respondida, todas as demais serão ferozmente trucidadas.

Nesses últimos dias eu tenho acompanhado uma polêmica chamada “Bíblia Freestyle [2]”. Por respeito a você, caro leitor, não vou começar pelo final, que culmina na mais profunda decepção com o intelecto humano. Ao invés disso, prefiro enumerar uma série de motivos pelos quais a Palavra de Deus vem sofrendo trágicos e cômicos (bem que tentaram!) ataques, sem precedentes e, cá entre nós, de tirar o fôlego!

Primeiro motivo: falta ser crítico. Ainda que você seja um ateu, ainda que nada que há na Palavra de Deus componha seu pensamento ou ética, é possível se posicionar diante da Bíblia cristã com um olhar crítico voltado para os aspectos literários que a compõe. Apenas UM exemplo de como se fazer isso: analise as metáforas implícitas nas parábolas que Jesus contou (ou explícitas, quando são explicadas).  Escolho como exemplo, o versículo de Mateus 6:21, no qual lemos: “Onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração”. Propositalmente seleciono este versículo que considero, enquanto critico literariamente, uma das mais belas metáforas de toda a literatura. Explicações sobre o versículo em si eu não tenho no momento, mas quero que você perceba que “tesouro” aqui não é tesouro, desses que o Jack Sparrow[3] caça (fica a dica pra bíblia freestyle, põe o Jack Sparrow no lugar do Apóstolo Paulo!), mas temos uma metáfora que ilustra, de imediato, aquilo que mais tem valor para você; e “coração”, que não é “coração”, esse que anatomicamente deveria neste momento estar mandando sangue para seu corpo todo (e às vezes acho que há falta no cérebro),  mas é uma representação abrangente do que seria seu ser, seu intelecto, sua alma. 

Com essa atitude você iria compreender a complexidade das verdades bíblicas, e não iria desvalorizar, literariamente, a importância desse livro. Ainda que você odeie literatura, não tem problema. Ler você sabe, e essa é a única coisa que eu sei sobre você! 

E acaso há outras formas de entender porque a aberração “freestyle” passou a existir?

Falta pudor! Exato, vergonha na cara mesmo. Minha mãe diz que hoje em dia não se tem mais vergonha nas nádegas, quanto mais na cara. Não queria chegar a tanto, talvez pareça mesmo que eu fui longe demais; porém, quando seu corpo não é mais algo privado e totalmente pessoal, suponho que seu intelecto, sua mente, também esteja fora de seu controle. Então você engole: engole opiniões, engole novas ideias, das quais você mesmo discorda, porque se opor dá mais trabalho. Engole a política no Brasil, engole Big Brother edição dois mil cento e oitenta e engole a bíblia freestyle. E quando “freestyle” for muito “mainstream[4], você engole a próxima, e a próxima, e mais vinte, já que o oposto de engolir pra você possa parecer que é “vomitar”. E numa atitude de vergonha e nojo, eu não engulo essa falta de pudor instaurada nos corpos e nas mentes do cristão contemporâneo. E digo mais: se você não tem vergonha de ser um pecador corrupto e depravado, a gente não tá na mesma vibe[5].

E por fim, falta temor ao Senhor de todas as coisas. O que acontece, na minha opinião, é que assim como desde Platão estão discutindo o que é “justiça”, o que é “beleza”, ainda hoje tem gente discutindo o que é “temor”. Muitos nem se perguntam o que é isso. Aqueles mais ousados, metidos a filósofos, param e refletem sobre o que significa temer ao Deus de Abraão, de Isaque, de Jacó, o Deus que enviou o Messias pra nos tirar da mais profunda miséria, e acredito mesmo que aqueles que se perguntam “o que é temor?” passam a exercitar o conceito em suas vidas. Temor é um exercício. Não é todo dia que você acorda “temente” a Deus, porque o nosso pecado nos torna extremamente bravos e corajosos quando temos que confrontar as ordens do Pai. Acho que ser crítico e ter vergonha na cara são passos importantes pra que a Palavra lhe seja suficiente, mas nada, repito quantas vezes você quiser, NADA se compara a uma leitura da Palavra com temor, sabendo que quem observa e julga nossos atos, o Deus a quem tanto tentam alcançar, inclusive em “estilo livre”, está mais perto do que podemos imaginar, e mais interessado em nossos atos do que gostaríamos, talvez e sendo sinceros, que Ele estivesse.

É minha confissão: eu creio que cada letra desenhada teve um propósito, principalmente num mundo antigo escasso em papel  (ou papiro, como queira), e num mundo em que a perseguição da igreja tirava vidas e rasgava relatos.

Se você resolver levar a Palavra de Deus a sério, como deve ser levada, tudo o mais que você obtiver lhe bastará, porque essa mesma palavra o guiará rumo à satisfação espiritual.

Não, não estou nervosa, e eis a minha conclusão: a Bíblia “freestyle” existe porque a Bíblia “Old School[6] não basta; a bíblia em estilo livre existe porque o olhar sobre a bíblia original está estragado e desprovido de informação sensata, fidedigna e justa, desprovido de intelecto coerente, controlado pelas informações sensatas que mencionei, e desprovido de temor àquele que pondera seus atos e os julga com uma sabedoria que não se pode explicar, nem se eu tentasse parafrasear.

Paula Tavares é cristã, membro da Igreja Evangélica no Bosque, em São Paulo, desde 2002.
É bacharel em Letras pela USP e Mestre em Literatura Portuguesa, também pela USP.



[1] Título sugerido
[2] Bíblia em estilo livre
[3] Personagem pirata, fictício
[4] Isto é, comum
[5] Isto é, vibração
[6] Referência ao que é tradicional

2 comentários:

  1. Muito boa a reflexão! Dá para nos ver nas palavras da irmã Paula Tavares. Vamos ficar aguardando o livro que ela vai nos brindar para nosso enriquecimento espiritual. Agliberto Ribeiro, de Vitória/ES.

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  2. Paula Tavares parabéns por sua inspiração e pelas suas sábias palavras, que muitos não têm a sua coragem de escrever e falar. Alcides Pinto - Vitória-ES.

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