Dia desses
deparei-me com a cena: estacionada na esquina, atrapalhando a visão dos outros
motoristas, uma dessas SUVs de luxo reluzia em local proibido. O “marronzinho”
(fiscal de trânsito) não teve dúvida. Tirou foto, lavrou a multa quando, no
meio do processo, apareceu a dona do veículo. Toda madame, salto alto, mais
para Terceira Idade, gesticulando e lançando impropérios contra o moço: "E onde você quer que eu estacione o meu carro? Vou andar DOIS QUARTEIRÕES? O
rapaz, treinado para situações de histeria sem causa, respondeu educadamente
que não era sua função conseguir vagas, mas que o carro estava em local proibido
e JÁ estava multado.
É isso que quero
dizer quando falo em “mentalidade da
classe média”. É verdade que generalizações costumam ser falsas. Há muita
gente boa e educada em todas as classes. Aliás, o que é classe média? Eis aí o
primeiro problema desta discussão. Não é tão fácil definir. Há diversos
parâmetros que podem ser utilizados para isso. Estou me referindo aqui àqueles
que ascenderam socialmente e que passam a achar que, por isso, agora podem
tudo. São os novos donos do mundo. Esta senhora e sua visão sobre o uso do
espaço público são um exemplo disso.
Muito bem. Mas o
que tem me incomodado bastante nos últimos tempos é a forma como esta questão
vem afetando o jeito de ser dos cristãos brasileiros e suas comunidades. A
igreja brasileira está se tornando (em alguns casos, literalmente) uma “igreja
classe média”. Não só sob o ponto de vista econômico, mas especialmente
no sentido desta malfadada mentalidade. Destaco três tendências que comprovam esta
afirmação.
Primeiro, as
pessoas estão confundindo os conceitos de servo e voluntário. São
parecidos, mas necessária e essencialmente distintos. Voluntário é aquele
sujeito que dedica um certo número de horas a uma ONG, por exemplo. Ele sequer precisa
ter comprometimento com a causa. Basta aparecer lá e ver o que querem que ele
faça. Pode escolher o dia, a hora, o tempo a investir. A classe média adora
esse negócio. É uma forma de amainar a consciência pesada. No Reino de Deus, não
há espaço para voluntários. Aqui, quem quer contribuir tem que ser servo. Servo se
dedica por conhecer quem é o seu Senhor. Faz o que faz por amor a Ele, não
pelos seus interesses pessoais. Antes de perguntar: “Por que estão fazendo isso de um jeito que eu não gosto?”, prefere:
“Se isso é o melhor para o Reino e para
as pessoas, contem comigo.” Serviço voluntário você pode pegar e largar a
qualquer tempo. Ministério é para a vida toda.
Segundo, as pessoas
estão confundindo contribuição/ofertas com mensalidade. De novo, uma
mentalidade tipicamente classe média. Eles pensam que, assim como no clube ou
no condomínio, se estão com a “mensalidade em dia”, devem ter direito de
acessar a piscina, a sauna, a quadra de esportes. Querem e querem já. E querem
do jeito deles. Já vi gente indo embora porque naquele dia não havia classe para
crianças e eles “não tinham onde deixar os filhos”. Já vi quem tenha mudado de
igreja porque “não tinha ar condicionado naquele calorão” (alguns desses quando
chegarem no inferno, como vão fazer??). A ideia é essa: se eu “pago o meu dízimo”
(que expressão mais estranha!), eu tenho direito a ser “bem atendido”. Do meu
jeito. No meu tempo. Assim como eu exijo dos outros “fornecedores”. Esquecem
que a oferta é dada não para ser devolvida em “serviços e benefícios”, nem
mesmo para as “melhorias da comunidade”. É dada a Deus. Não é investimento. É
adoração.
Terceiro, as pessoas estão confundindo
prosperidade
com riqueza.
A nova classe média experimentou filé mignon e não quer dividi-lo com ninguém.
Tem mais dinheiro no bolso mas está cada vez mais pobre de espírito. É por isso
que agora eles vão a finos restaurantes e tratam o garçom como se fosse um
nada. O dinheiro era o destino, o porto desejado. Agora que chegaram, a vida
reduziu-se à mediocridade. Da mesma forma, os cristãos-classe-média agora
conseguem comprar casa para férias, pacotes de turismo para o exterior,
passeios extravagantes. Nada contra. A não ser pelo fato de que isso passou a
ser a prioridade. Não se leva em conta nada que não seja, primeiramente, o
conforto pessoal, os pés para cima e a água de coco gelada. Afinal, durante o
ano todo a gente dá um duro danado para ganhar, nas férias tem que gastar.
Então, durante o ano não temos tempo para o serviço de Deus porque estamos
ganhando dinheiro; e nas férias continuamos sem tempo porque estamos gastando...
Tal como o povo de Israel no tempo de Ageu, enquanto habitam casas apaineladas,
feita de madeira importada, a casa de Deus fica em ruínas. É só verificar, por
exemplo, se proporcionalmente ao aumento da membresia e do poder aquisitivo dos
membros da sua igreja, aumentaram também as ofertas para obras sociais e
missionárias. É só fazer um levantamento de quantos projetos interessantíssimos
estão parados por falta de recursos.
Sim, estou generalizando. Sim, você
pode ficar ofendido. Sim, você pode pensar que estou com inveja de você (esta é
bobagem sua). Mas como a classe média agora tem acesso a tanta informação,
pelos tablets, smartphones e demais tecnologias digitais, analise por si mesmo
e tire suas conclusões. Se achar que está bom assim, vá em frente.
E não esqueça de levar sua Loius Vuitton
a tiracolo.
Marcos Senghi Soares
Parabens por seu artigo, o Senhor seja sempre convosco.
ResponderExcluirGOSTEI MUITO DESSA DISSERTAÇÃO... É EXATAMENTE ASSIM QUE ESTÁ O POVO DAS IGREJAS...
ResponderExcluirObrigado, Mestre, pela reflexão em alta classe!
ResponderExcluirFato!
ResponderExcluirExcelente artigo!
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