Naquela noite todos podiam ter entrado para a história
como exemplos universais a serem seguidos. Poderia ter-se ouvido um burburinho,
um corre-corre, uma intensa atividade que faria com que o serviço fosse
rapidamente acabado e todos pudessem tomar seus lugares à mesa e desfrutar de mais
tempo na companhia do grande amigo que estava prestes a partir. Uma noite
memorável que nunca seria esquecida.
De fato, não foi. Porém, não foi do jeito
que deveria ser. Ao contrário, foi uma noite de algum constrangimento. De
rostos sem graça olhando para baixo. De corações que se perguntavam: “Como não pensei nisso antes?”
Era o dia especial para os judeus, o momento de
celebrar a Páscoa. Era quando lembravam a grande libertação da terra do Egito, quando
Deus desembainhou sua espada contra Faraó e os tirou com mão forte do
cativeiro. Diante deles, o Mestre. O clima andava tenso. Os acontecimentos das
próximas horas mudariam a rumo da história da humanidade. Eles não tinham
percebido isso, mas seria a última páscoa. Aquela refeição seria única na
experiência daqueles homens.
Não havia escravos na casa. O espaço tinha sido cedido
por um homem desconhecido, para que o grupo celebrasse a páscoa. A mobília
pronta, a mesa posta, água, bacia e toalhas. Mas não tinha ninguém para fazer o
humilde serviço de um escravo: lavar os pés dos comensais. Todos esperavam o
momento em que o Mestre começaria mais um de seus discursos, falando aos
corações deles sobre coisas profundas e eternas.
Todos se assentam. A ceia começa. Ninguém se manifesta.
De repente, para surpresa de todos, Ele se levanta. Tira a veste de cima,
enrola-se numa toalha. Sob os olhares espantados de doze pares de olhos, caminha
até uma talha. Derrama água em uma bacia. Chega-se aos pés empoeirados do
primeiro discípulo. Curva-se. Mete a mão na água e lava-os. Enxuga com a
toalha. Vai para o próximo. O silêncio é palpável. Gostariam de enfiar-se num
alçapão e sumir dali.
O silêncio é quebrado, mas antes não tivesse sido. É
Pedro. Ele se recusa. “NUNCA me lavarás os pés”. Devia ter
ficado quieto. Jesus lavou seus pés. Lavou também os de Judas, que daqui a
pouco o entregaria pelo preço de um escravo, 30 moedas de prata. Cada um poderia
apresentar suas desculpas. Judas tinha que sair logo. Ele já nada tinha a ver
com aquilo. João, o apóstolo do amor, não tinha “sentido no coração”. Mateus, o
ex-publicano, podia ter medo de ser mal compreendido por Simão Zelote e
vice-versa. André podia achar que já tinha feito muito de levar Pedro ao
Messias. Tomé só acreditaria vendo e Filipe ainda estava procurando o Pai.
Pedro só lavaria o corpo inteiro. Bartolomeu, Tadeu e Tiago, que tinham ficado
de boca fechada até agora, tinham medo de se manifestar em momento tão crucial.
Os doze homens ainda não tinham aprendido o segredo: “Quem ser grande entre vós, seja esse o que
vos sirva.” Servir aos outros era uma bênção para o Senhor, não um castigo:
“Se sabeis estas coisas, bem-aventurados
sois se as praticardes”. Era uma missão de vida, não um fardo a ser evitado
a todo custo: “O Filho do homem não veio
para ser servido, mas para servir”. Era uma atitude a ser copiada, não uma
performance a ser encenada: “Eu vos dei o
exemplo para que como eu vos fiz, façais vós também.” Enquanto alguns ainda
disputavam o lugar principal, Jesus gastava sua energia assumindo o papel de
Servo.
Esta é a ordem no Reino e o segredo de uma vida
vitoriosa e bem sucedida: encontrar prazer em servir aos outros. Alguns
discípulos disseram que estavam dispostos a ir até a morte pelo Senhor. Diz a
história que isto foi o que realmente acabou acontecendo. Porém, até aquele
momento, eles não estavam dispostos sequer a lavar os pés uns dos outros. Nem
mesmo os pés do Salvador. Ainda não estavam totalmente prontos. Foi a primeira
lição que Jesus destacou na última hora em que esteve a sós com seus
discípulos. Uma lição que faríamos bem em aprender.
Uma vida de serviço é o único tipo de vida que
realmente vale a pena.
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1ª Parte: Hosana! clique aqui
2ª Parte: Maria de Betânia clique aqui
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