domingo, 26 de dezembro de 2010
Ponto de Interrogação - 5
Leia antes os artigos de 1 a 4 da série para fazer melhor sentido
Amigos, imaginem se um de vocês fosse fazer uma visita a um amigo em estado terminal, numa situação horrível, o corpo coberto de feridas purulentas e mal-cheirosas, o cara em crise com Deus, sem saber e sem aceitar o que está acontecendo com ele, abandonado e esperando a morte. Aí você entra na sala, liga a televisão, coloca um DVD da National Geographic sobre vida selvagem. O que você acha que seu amigo lhe diria? Imagine a reação dos outros que estão na sala com você. Perceba seus olhares desconfiados, que logo se transformam em censura. Ninguém acredita que você tem a coragem de ser tão inconveniente. É o que seguramente está passando pela cabeça de todos os presentes.
É mais ou menos o que Deus faz com Jó. Ele está cheio de dúvidas. Virou um ponto de interrogação ambulante. Ele tem razões para isso. Olhe o estado que o homem ficou. Ele se revolta, reclama do abandono. Acusa a Deus de injustiça.
E finalmente, depois de longos 35 capítulos de debates, explicações, questionamentos, acusações, apelos, gemidos e gritos de raiva, Deus decide falar. Curioso. Ele não responde uma única pergunta das mais de 600 que Jó e seus amigos fizeram esse tempo todo. Será que ele não estava ouvindo? Será que não prestou atenção? Será que enquanto este terrível sofrimento acontecia aqui embaixo, Deus Pai estava batendo papo distraidamente com o Filho pré-encarnado e com o Espírito Santo?
Não. Certamente não foi este o caso. Até porque Deus demonstra ter ouvido muito bem tudo o que foi dito. Ele censura abertamente os amigos de Jó “por aquilo que disseram”. Deus ouviu também o que Jó falou a seu respeito. Ouviu os desafios lançados. Ele não estava alheio ao que estava acontecendo. Não perdeu um único lance. Nenhuma palavra dita caiu por terra. Sempre é assim. Nada do que acontece foge ao conhecimento e ao controle do Deus Onisciente, Onipresente e Onipotente.
E também do Deus Surpreendente. Ele não segue o caminho que qualquer um de nós, incluindo Jó e seus amigos, poderíamos esperar. Ele não entra na discussão sobre quem está certo e quem está errado. Ele não dá satisfações sobre seus atos. Ele não desvenda o mistério do mal. Não explica porque nem sempre a vida é justa. Ele simplesmente fala a respeito de Si mesmo e de Sua revelação através da Natureza.
Os papéis agora se invertem. Não é mais Jó quem faz as perguntas. Não é mais Jó quem exige respostas. Agora quem faz isso é Deus. “Levante-se Jó. Fale comigo como homem. Agora eu vou perguntar e você me fará saber” (40:7).
Ao invés da esperada explanação sobre os motivos do sofrimento de Jó, as injustiças da vida, a prosperidade dos ímpios ou a causa das doenças da humanidade, Deus discursa apenas e tão somente sobre o seu poder incomparável, manifesto nas coisas da natureza que estão ao nosso redor. Natureza indomável, que funciona sozinha por si mesma, sem que ninguém precise interferir. Até porque quando o homem põe a mão, gera um desequilíbrio que põe em risco todo o sistema.
Deus não bate boca com Jó. Não precisa se explicar. Simplesmente porque não adiantaria explicar o que um ser limitado jamais conseguiria compreender: os desígnios de Deus. Seus mistérios e sua sabedoria. Imagine Noé tentando entender os motivos que levaram Deus a destruir a humanidade. Enquanto discutia e argumentava, o dilúvio chegaria e os levaria a todos.
Não é que Deus não tinha bons motivos e que estivesse agindo na base do despotismo irresponsável. Nem é que Deus “não tinha palavras para expressar” o que pensava. A questão era que Deus estava preocupado em revelar-se a Si mesmo para Jó e não simplesmente satisfazer sua curiosidade ou responder suas dúvidas filosóficas.
O livro de Jó não é apenas um tratado sobre o sofrimento. Você não vai encontrar as soluções que tanto buscam os teólogos e filósofos sobre o problema do mal. Jó também não é um livro sobre a soberania e a grandeza de Deus, embora aborde estes temas sob muitos aspectos.
Jó é um livro que revela o próprio Deus. Toda a história se desenrola para que o homem que sabia “sobre” Deus seja capaz de conhecer “Deus”. Isto faria toda a diferença em sua vida, muito mais do que qualquer das respostas às centenas de dúvidas que ele acrisolava em seu coração perturbado.
Será que Deus conseguiu realizar seu intento?
Isto é o que veremos no último artigo da série. Aguardem.
Marcos Senghi Soares
Publicado originalmente em 2006, na Colunet de www.irmaos.com
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