Nos últimos anos, com o surgimento da blogosfera, a prática de polemizar para conseguir notoriedade se alastrou como nunca. Basta uma declaração de efeito e o número de seguidores vai às alturas. Infelizmente, a teologia e a Igreja não ficaram isentas desta prática. A Internet tem sido um dos principais meios de disseminação dos pastores-filósofos neoliberais e seu veneno mortífero. São eles que, direta ou indiretamente negam a autoridade e a inerrância da Palavra de Deus. Criaram dois deuses, um no Velho Testamento, irado contra o pecado e contra o pecador e outro no Novo Testamento, “um velhinho de barba branca”, como definiu Ed René Kivitz em um desses fóruns para internautas. Nesse grupo se encontram aqueles que flertam com o Universalismo (crença que assevera um final feliz para toda a humanidade, independente de sua fé em Cristo), com a teologia do processo (ou teísmo aberto ou teologia relacional), que rejeitam a interpretação gramático-histórica, que consideram a volta de Cristo como um “horizonte utópico” etc. Embora não gostem de ser colocados no mesmo saco, todos eles comem da mesma farinha.
Observo, no entanto, o surgimento de outro grupo, conservador, histórico, muito provavelmente comprometido seriamente com a verdade, mas que parece estar incorrendo em erro semelhante. Por achar que a verdade precisa de defesa, estão criando outra verdade. Se os representantes do primeiro grupo ficam aquém da verdade, estes vão além. Um vídeo que tem feito bastante sucesso no Brasil traz um trecho de uma mensagem no missionário norteamericano Paul Washer sobre a ira de Deus. Em dado momento, ele critica a frase “Deus odeia o pecado, mas ama o pecador”, considerando-a uma frase “bonita para se escrever em uma camiseta evangélica”, mas desprovida de base bíblica. Citando textos como Salmo 5:5, este pregador sugere que Deus não apenas odeia o pecado, como odeia também o pecador. Se isso não fica totalmente claro no vídeo, certamente fez a cabeça de alguns que o assistiram. Transcrevo abaixo algumas frases extraídas da minha Timeline de ontem, dia 10 de novembro:
"Deus odeia o pecado e ama o pecador." (Heresias 6:45)" // Boa... Hahaha... Basta ler Salmos 5.5 para corrigir esta mentira!
Dizer que Deus ama o pecador, sujo de pecado, é que não é bíblico!
Reagi indignado e, confesso, até com certa rispidez. Na tentativa de enfatizar uma verdade, nota-se que criaram uma terrível e devastadora mentira. Não preciso expor aqui o que penso sobre a ira de Deus contra o pecado, nem mesmo sobre o seu direito de dar e tirar a vida e inclusive sentenciar ao lago de fogo por toda a eternidade aqueles que não aceitam a propiciação do Seu Filho Jesus. Há poucas semanas escrevi sobre isso. Não tenho nenhuma dúvida de que a ira de Deus permanece sobre aqueles que não recebem a Cristo como seu Senhor e Salvador e que este é o destino eterno de todos os que não se arrependerem. Isto não está em discussão aqui. No entanto, dizer que DEUS ODEIA O PECADOR é falso e a refutação a esta bobagem é tarefa simples para qualquer conhecedor primário das Sagradas Escrituras. Primeiro, deixemos que elas mesmas falem sobre o assunto:
- Acaso tenho eu prazer na morte do perverso? diz o Senhor Deus (Ez 18:23)
- Nisto consiste o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou Seu Filho... (I João 4:10)
- Deus sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, estando nós mortos em nossos delitos e pecados, nos deu vida juntamente com Cristo – pela graça sois salvos (Ef 2:4-5)
- Deus prova seu próprio amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido por nós, SENDO NÓS AINDA PECADORES (Rm 5:8).
Não há nestes textos qualquer incompatibilidade com aqueles que mencionam o castigo eterno, a ira de Deus contra os pecadores ou a destruição dos ímpios. Os atributos de Deus podem ser paradoxais, mas não são contraditórios. TODOS os atributos de Deus estão em harmonia plena. Sua ira é real e explícita nas Escrituras e ao longo da História. De novo: isso não se discute. Porém, seu amor também é real e explícito. Seu amor é incondicional, embora seu perdão esteja condicionado à confissão e ao arrependimento. Confundir esses dois conceitos é um erro tão grave e tão primário quanto negá-los.
Ao apresentar os textos bíblicos acima, recebi como resposta:
Peço que o irmão se acalme. Sei que soou estranho, porque as pessoas são acostumadas a esta frase anti-bíblica [Deus odeia o pecado e ama o pecador]. Entendo! :-)
Então, o discurso mudou. Aparentemente defendendo a mesma ideia, eles escreveram:
Após o pecado, existiu a Ira de Deus. Ela ainda existe. Alguém terá que bebe-la. Sabe quem? O pecador, inimigo de Deus![...]
Mas a ira do Senhor esta sobre o pecador. Este fato ninguém muda.
O problema nunca deixou de ser o pecado, mas a ira do Senhor tbm eh sobre os que praticam. N da p/ separar. Estao correlatos
Sim, é terrível. Por isso, precisamos de Cristo. Merecemos, hoje, o inferno; mas temos a oportunidade! É bíblico! ^_^
não entendo. Os textos não contradizem o que dissemos. Jesus morreu por nós para livrar-nos da ira de Deus!
Como já expus acima, estas afirmações não estão em discussão. A questão é aonde elas podem nos levar. A Bíblia ensina que a ira de Deus está sobre o pecador, mas em lugar algum dá sequer uma pequena margem para concluir isso (frases da Timeline, com grifos meus):
Amado, a própria frase é incoerente. Se Deus odeia o pecado, logo deverá odiar o que o pratica! :-)
ok, podemos trocar a palavra odiar por abominar. Mas aquela frase n é verdadeira. Deus n ama o pecador em essência.
O amor dele é isso! Ele odeia o pecado e o que o pratica, por isso morreu para nos dar oportunidade de salvação! ^_^
Estas afirmações ferem o âmago do Evangelho. São uma aberração completa e acabada, sob a capa de uma falsa ortodoxia. Ao questionar sobre o fato de que se Deus odeia o pecador, nós também teríamos que fazê-lo, recebi resposta ainda mais incoerente, baseada numa premissa que após algumas décadas de estudo sistemático das Escrituras, confesso nunca ter visto nelas:
Não. O ódio que eu poderia ter por eles é diferente do que o que Deus tem. O ódio dele é um "ódio-justiça" sobre o pecador!
E então, finaliza com a pior das incoerências:
Mas Deus é bom, gracioso e misericordioso; morreu para que pudéssemos nos achegar a ele!
Ora, um Deus “bom, gracioso e misericordioso” é o Deus que apontei nos versículos citados. Este é o problema: o raciocínio dicotomizado, que coloca Deus de um lado ou de outro: OU ele é justo e santo, e por isso odeia a todos, OU ele é bom, gracioso e misericordioso. A questão é que a Bíblia não apresenta Deus desta forma. Deus é TÃO justo e santo (e por isso odeia o pecado – Hb 1:13 – e está irado contra o pecador) QUANTO é bom, gracioso e misericordioso e ama o pecador, independentemente da sua situação. Isso fica claro, por exemplo, na história do povo de Israel. Mesmo adulterando após outros ídolos, Israel ouviu de Deus as palavras “COM AMOR ETERNO EU TE AMEI, também com benignidade te atraí (Jr 31:3); e “Atraí-te com cordas humanas, com LAÇOS DE AMOR" (Os 11:4).
Sobraram, então, algumas perguntas, às quais a Bíblia responde com tanta clareza, que surpreende alguém não saber a resposta ainda:
[Se] Deus ama o pecador, por que existe o inferno? Por que precisamos da Salvação de Cristo? Somos seus inimigos! ^_^
O inferno (creio que eles se refiram aqui ao lago de fogo eterno, destino dos que não se arrependem e crêem no Evangelho) foi preparado originalmente “para o diabo e seus anjos”, segundo aquele que tem a chave da morte e do inferno, Jesus Cristo (Mt 25:41). Para lá também vão todos aqueles que “não obedecem o Evangelho” (2 Te 1:8-9). Não existe inferno porque Deus odeia o ser humano que ele criou, mas porque “toda transgressão e desobediência recebeu justo castigo” (Hb 2:2). Isto responde também à segunda pergunta, “por que precisamos da salvação de Cristo”. De fatos somos inimigos de Deus e separados dele por causa do nosso pecado. A salvação de Cristo é a maior prova do amor de Deus por um mundo pecador.
Esta é justamente a grande riqueza do Evangelho. Efésios 2, já citado, apresenta o homem como sendo “por natureza filhos da ira como também os demais”. Não deixe de observar a expressão “filhos da ira”, que é o centro desta discussão. O versículo seguinte, no entanto, afirma que por causa do grande amor com que NOS amou. Isto é o que nos diz Paul. Não o Washer, mas o apóstolo inspirado pelo Espírito Santo: DEUS AMOU OS FILHOS DA IRA. E por isso podemos ser salvos.
Falta a qualidade de bereanos a muitos navegantes da blogosfera. Qualquer um que aparece falando qualquer coisa logo amealha os incautos que não se dão ao trabalho de ler as Escrituras por si mesmos.
Por isso, adianto aos que se sentirem ofendidos por esta postagem que ao discordar, por favor, apresentem os textos bíblicos e suas respectivas interpretações dos mesmos. Em matéria de fé e prática, não aceito outra coisa a não ser a autoridade da Palavra de Deus. Ainda creio somente nela.