sexta-feira, 18 de abril de 2014

Doze homens e um segredo: Lições do Lava-pés (Crônicas da Última Semana parte 3)

Naquela noite todos podiam ter entrado para a história como exemplos universais a serem seguidos. Poderia ter-se ouvido um burburinho, um corre-corre, uma intensa atividade que faria com que o serviço fosse rapidamente acabado e todos pudessem tomar seus lugares à mesa e desfrutar de mais tempo na companhia do grande amigo que estava prestes a partir. Uma noite memorável que nunca seria esquecida.

De fato, não foi. Porém, não foi do jeito que deveria ser. Ao contrário, foi uma noite de algum constrangimento. De rostos sem graça olhando para baixo. De corações que se perguntavam: “Como não pensei nisso antes?

Era o dia especial para os judeus, o momento de celebrar a Páscoa. Era quando lembravam a grande libertação da terra do Egito, quando Deus desembainhou sua espada contra Faraó e os tirou com mão forte do cativeiro. Diante deles, o Mestre. O clima andava tenso. Os acontecimentos das próximas horas mudariam a rumo da história da humanidade. Eles não tinham percebido isso, mas seria a última páscoa. Aquela refeição seria única na experiência daqueles homens.

Não havia escravos na casa. O espaço tinha sido cedido por um homem desconhecido, para que o grupo celebrasse a páscoa. A mobília pronta, a mesa posta, água, bacia e toalhas. Mas não tinha ninguém para fazer o humilde serviço de um escravo: lavar os pés dos comensais. Todos esperavam o momento em que o Mestre começaria mais um de seus discursos, falando aos corações deles sobre coisas profundas e eternas.

Todos se assentam. A ceia começa. Ninguém se manifesta. De repente, para surpresa de todos, Ele se levanta. Tira a veste de cima, enrola-se numa toalha. Sob os olhares espantados de doze pares de olhos, caminha até uma talha. Derrama água em uma bacia. Chega-se aos pés empoeirados do primeiro discípulo. Curva-se. Mete a mão na água e lava-os. Enxuga com a toalha. Vai para o próximo. O silêncio é palpável. Gostariam de enfiar-se num alçapão e sumir dali.

O silêncio é quebrado, mas antes não tivesse sido. É Pedro. Ele se recusa.  “NUNCA me lavarás os pés”. Devia ter ficado quieto. Jesus lavou seus pés. Lavou também os de Judas, que daqui a pouco o entregaria pelo preço de um escravo, 30 moedas de prata. Cada um poderia apresentar suas desculpas. Judas tinha que sair logo. Ele já nada tinha a ver com aquilo. João, o apóstolo do amor, não tinha “sentido no coração”. Mateus, o ex-publicano, podia ter medo de ser mal compreendido por Simão Zelote e vice-versa. André podia achar que já tinha feito muito de levar Pedro ao Messias. Tomé só acreditaria vendo e Filipe ainda estava procurando o Pai. Pedro só lavaria o corpo inteiro. Bartolomeu, Tadeu e Tiago, que tinham ficado de boca fechada até agora, tinham medo de se manifestar em momento tão crucial.

Os doze homens ainda não tinham aprendido o segredo: “Quem ser grande entre vós, seja esse o que vos sirva.” Servir aos outros era uma bênção para o Senhor, não um castigo: “Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sois se as praticardes”. Era uma missão de vida, não um fardo a ser evitado a todo custo: “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir”. Era uma atitude a ser copiada, não uma performance a ser encenada: “Eu vos dei o exemplo para que como eu vos fiz, façais vós também.” Enquanto alguns ainda disputavam o lugar principal, Jesus gastava sua energia assumindo o papel de Servo.

Esta é a ordem no Reino e o segredo de uma vida vitoriosa e bem sucedida: encontrar prazer em servir aos outros. Alguns discípulos disseram que estavam dispostos a ir até a morte pelo Senhor. Diz a história que isto foi o que realmente acabou acontecendo. Porém, até aquele momento, eles não estavam dispostos sequer a lavar os pés uns dos outros. Nem mesmo os pés do Salvador. Ainda não estavam totalmente prontos. Foi a primeira lição que Jesus destacou na última hora em que esteve a sós com seus discípulos. Uma lição que faríamos bem em aprender.


Uma vida de serviço é o único tipo de vida que realmente vale a pena. 


Leia mais
1ª Parte: Hosana!  clique aqui
2ª Parte: Maria de Betânia clique aqui

terça-feira, 15 de abril de 2014

Marcos Soares - JUÍZES - Os bastidores do caos 02

Marcos Soares - JUÍZES - Os bastidores do caos 01

Maria de Betânia (Crônicas da Última Semana parte 2)


700 ml. Mas representavam um verdadeiro tesouro. Custaram o equivalente a 300 dias de salário de um trabalhador comum. Isso se ele fosse capaz de economizar tudo o que ganhasse durante tanto tempo. Aquele perfume era uma pequena fortuna. Fragrância importada da Índia, devia ser usado como qualquer perfume caro: bem pouquinho de cada vez, em ocasiões mais do que especiais.

Maria era de uma família simples. Nada indica que ela fosse rica. Muito provavelmente, aquele frasco era o que ela tinha de maior valor financeiro na vida. Acontece que onde está o seu verdadeiro tesouro, aquilo que realmente você valoriza, seu coração está lá. Dinheiro, riqueza, bens materiais, sonhos de consumo, tudo isso perde o valor diante do Eterno.

Ela conhecia e amava o Mestre. Ele era um grande amigo da família. Um ano antes, seu irmão havia sido ressuscitado por ele, quatro dias depois do enterro. O que poderia valer menos do que isso? Se você já sofreu a dor da perda de um ente querido, você é capaz de avaliar o que representou para Maria a restauração de vida de seu irmão.

E então ela quis fazer o melhor para mostrar seu amor e consideração por Jesus. Ela não tinha coragem de fazer menos do que o melhor. Ainda que para isso, ela tivesse que abrir mão de tudo o que tinha de mais precioso. Sem conta-gotas. Sem economia. Sem miséria. 

Entrou na sala onde Jesus estava. Quebrou o vaso, para que não sobrasse nada. Derramou o perfume sobre os pés e sobre a cabeça do Senhor. Isto era um reconhecimento de que ali estava um rei. Não se incomodou com as reações. Ela sabia que poderia ser ridicularizada e incompreendida. Isso não fazia diferença nenhuma. Seu foco era honrar a Cristo, não ser aplaudida pelos outros. “Ela fez o que pode”, ressaltou Jesus. Fez o que estava ao seu alcance. 

É sempre assim: quem faz o que pode para honrar a Jesus, consegue transformar os atos mais simples em atos proféticos, plenos de significado. “Ela me ungiu para o meu sepultamento”, disse Cristo. A quebra de um vaso se torna um ato extraordinário de adoração, algo para ser lembrado onde quer que o Evangelho fosse pregado.


Nunca será demais o que fazemos para engrandecer a Cristo.


Para ler a parte 1 da série, clique aqui

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Hosana! (Crônicas da Última Semana parte 1)

A cena empolga. Uma multidão protagoniza uma cena emocionante, jamais vista com outro rabino. Estão cumprindo, talvez sem perceber, uma profecia de mais de 400 anos. Zacarias disse que isso iria acontecer com o Messias.

A chegada de Jesus a Jerusalém, dias antes daquela Páscoa, é envolta em verdades e contrastes. O Rei da glória não chega à capital com pompa e poderio. Não é escoltado por soldados treinados, montado em um cavalo de raça. Não está sendo esperado para participar de uma cerimônia solene no palácio. Ele vem como um rei humilde, montado em um jumentinho. É ignorado pelos poderosos e odiado pelos religiosos.

Acontece que uma multidão é sempre uma incógnita. Quem segue a massa pode estar ali por motivos muito variados. É assim num comício, num jogo de futebol, numa passeata ou num protesto. Foi assim no dia em que o Rei dos reis é aclamado como o “Bendito que vem em nome do Senhor!

Por que estenderam suas roupas e os ramos para ele passar? Por que que gritaram “Hosana”? Estavam convencidas de que ele era mesmo o Messias ou esperavam alguma coisa? Queriam sua salvação, mas que tipo de salvação? De Roma ou do império das trevas? Queriam um reino ou queriam um Rei?

Uma semana depois, parte da mesma multidão mudou a palavra de ordem. Ao invés de “Hosana, bendito o que vem em nome do Senhor” o que se ouviu foi “Crucifica-o! Crucifica-o! Não temos rei senão César!”.

Jesus era o Messias e o Messias era, de verdade, o Rei. Ele merecia aquela parada e aquelas homenagens da multidão. Eles cumpriam naquele instante mais uma de todas as profecias messiânicas que se encaixavam perfeitamente e exclusivamente na Pessoa de Cristo.

Porém, reconhecer isso demandava mais do que fazer parte de uma passeata. Exigia fé pessoal e convicção individual.


Para ler a segunda parte, clique aqui

terça-feira, 1 de abril de 2014

É mentira!

Amigos, que dia é hoje? O 1º de abril, dia dos tolos, dia da mentira, dia de pregar peças. 

Dia da mentira não é coisa nova. É tão velha quanto seu pai. Tão suja quanto ele. Mentira branca, azul, amarela. Mentira comercial, para se dar bem, para as coisas não ficarem piores. É tudo do mesmo saco. Vem todas do mesmo buraco. Mentir para os filhos, para o marido, para a professora, para o namorado, para os pais. É tudo a mesma estratégia, que começou a ser usada pela velha serpente. O problema é que mentira tem pernas curtas, só que são bem torneadas, não têm varizes nem celulite. Por isso chama a atenção e muito marmanjo corre atrás dela babando. 

Agora, mentira não é só o ato de mentir. Pode ser um ato de pensar. Pode ser um ato de formar opinião. Só diz mentira quem pensa mentira. E quem pensa mentira, vive mentira. E quando a gente começa a viver uma mentira, acaba acreditando que ela é verdade.
 

Tem mentira política internacional, do tipo "Vamos invadir o Iraque para achar as armas de destruição em massa". Tem mentira eleitoral, do tipo "Vamos criar 10 milhões de empregos em 4 anos".
 

Tem mentira sofisticada, embalada em papel celofane, com lacinho e arranjo de flores. São aquelas que ninguém percebe. Vêm nos filmes de Hollywood, nas entrevistas da televisão, nas aulas da faculdade e até nos livros do ensino fundamental. É mentira moderna, articulada, elaborada nos centros mais cultos e influentes do planeta. Quem nunca ouviu a mentira da evolução, das mutações genéticas ou das "provas científicas"?
 

Tem mentira religiosa, embalada em papel mais sóbrio, cheio de citações bíblicas por dentro e por fora. Mas qual um cavalo de Tróia, quando você chega mais perto, começa a ouvir que um salvo pode deixar de ser salvo, que Jesus Cristo não é Deus, que é preciso guardar o sábado, dar o dízimo e ser batizado para ser salvo, que crente não fica doente nem pode passar dificuldade.
 Ultimamente voltou à pauta a mentira de que no fim, todos serão salvos.

Será que precisamos mesmo de um dia para a mentira? Não seria melhor lançarmos o dia da verdade? Mas este não pega. Não pega porque desde os tempos de Isaías, "a verdade anda tropeçando pelas praças, e a retidão não pode entrar. Sim, a verdade sumiu, e quem se desvia do mal é tratado como presa" (Is 59:14,15). Não é politicamente correto viver, defender e sequer pensar a verdade. Isso é exposição demasiada. Imagine, de quem vamos ser amigos se falarmos em verdade? Que dirá se falarmos em verdade absoluta, num mundo onde tudo é relativo!
 

A verdade sumiu. Sumiu da pauta da televisão, dos noticiários, dos editoriais, das conversas entre amigos, dos livros dos professores, das sentenças dos juízes, das gravações dos procuradores da República, do discurso dos presidentes, da ONU, dos partidos políticos. Sumiu. Sumiu como chapéu velho. Sumiu até de alguns púlpitos, revistas, sites, publicações e programas evangélicos.
 

E aí eu me lembro das palavras revolucionárias de um rabino judeu, há séculos atrás. Ele teve a coragem e a ousadia de falar a verdade. Mais do que isso: ele se declarou a própria personificação da verdade. Ele disse que a única forma de liberdade possível para qualquer sociedade, em qualquer época era a verdade. "Quando vocês conhecerem a verdade, a verdade os tornará livres". E depois, a um grupo restrito de discípulos, ele assume: EU SOU A VERDADE.
 

Que verdade? TODA A VERDADE. Toda a verdade espiritual, moral, cósmica, emocional, existencial. Verdade que quebra grilhões. Verdade que liberta. Verdade que permite que não sejamos mais enganados, nem feitos inocentes úteis nas mãos do pai da mentira.
 

Eu repudio o Dia da Mentira. Já chega. Eu quero cantar a liberdade. Quero declarar minha esperança inabalável num Reino que vai chegar, capitaneado pelo Cavaleiro que se chama Fiel e Verdadeiro,que julga e peleja com justiça.
 

O Dia da Mentira é pura ilusão. O Dia da Verdade vai chegar.
 

Para ficar.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Entrevista com o presbítero da igreja de Éfeso


Entrevistamos esta semana um presbítero da igreja de Éfeso. Ele não quer ser identificado, por isso vamos chamá-lo de "Mr. M". Por esta igreja passaram grandes nomes, como Apolo, Paulo, Timóteo e João. Nos dias de glória, incomodava a religião fortemente arraigada de sua cidade. Houve grande tumulto na cidade, por causa da revolta dos adoradores de Diana. Ela fez diferença. Agora, a situação era outra. 

FD: Foi difícil conseguir um espaço na sua agenda. Muita correria?

"Mr. M":
 Ah, a gente não tem tempo sobrando mesmo, não. Temos muita coisa pra fazer no ministério, não dá tempo para ficar respondendo carta com pergunta. Temos outras prioridades. Agora, por exemplo, estamos trabalhando na organização do IV Congresso Asiático de Defesa dos Princípios, Sã Doutrina e Identidade. Você sabe, a gente não pode deixar a peteca cair. Estamos muito, muito ocupados. Não paramos um minuto.

FD: O sr. mencionou prioridades. Qual é a maior preocupação do presbitério de Éfeso hoje em dia?

"Mr. M":
 Olha, veja o que aconteceu com a igreja em Corinto. Aquilo tá uma bagunça. Todo mundo falando em língua, muita música, som alto demais. Nós não podemos deixar que isso aconteça aqui. Precisamos zelar para que os nossos princípios permaneçam. Nós começamos a usar salmos, hinos e cânticos espirituais. Mas tudo tinha rima, métrica, direitinho. Agora tem essas músicas modernas aí. O som é muito alto. Precisamos tomar providências porque senão vamos perder nossa simplicidade.

FD: Por que o sr. acha que a igreja de Éfeso parou de crescer? Este não é sintoma de que a igreja não vai bem?

"Mr. M":
 Deus não está preocupado com números. O que importa é a qualidade, não a quantidade. Essas igrejas que estão crescendo é porque não estão pregando o evangelho puro. Números são enganosos. A gente não pode se basear neles para dizer se uma igreja é boa ou não. Depois, hoje em dia tem essa idolatria aí, o pessoal marca programação do templo de Diana bem na hora da nossa reunião, só para não deixar as pessoas freqüentarem a nossa igreja. É muito difícil com essa concorrência. Ninguém quer saber mais do evangelho puro.

FD: Mas no tempo de Paulo também não tinha essa oposição?

"Mr. M":
 Tinha, mas era diferente.
FD: O que era diferente?

"Mr. M":
 Era diferente.
FD: Mas qual era a diferença?

"Mr. M":
 Diferente, rapaz, diferente. Você não sabe o que é uma coisa diferente? Era diferente.

FD: A que o sr. atribui o atual declínio da igreja em Éfeso?

"Mr. M":
 Que declínio? A gente tem um monte de coisas boas aqui. Você é que parece que não se contenta com nada! Nós temos suportado provas aqui, temos resistido a homens maus e não desistimos facilmente. Faz muito tempo que estamos aqui. Nós não chegamos ontem. Não podemos jogar no lixo tudo o que nossos pais fizeram.

FD: Desculpe, acho que o sr. não entendeu minha pergunta. Eu não disse nada sobre o que os nossos pais fizeram. Estou perguntando sobre o que vocês estão fazendo. O que o sr. tem a dizer da situação atual?

"Mr. M":
 Irmão, quem é que não tem problemas? Não existe igreja perfeita! Olha o que está acontecendo com Laodicéia, com Esmirna, com Tiatira. Todo mundo está enfrentando problemas. O que importa é continuar perseverante.

FD: Mesmo que não esteja dando certo?

"Mr. M":
 Não está dando certo por que? Para mim, está ótimo. A gente tem as reuniões, estudo biblico, oração, tudo o que qualquer igreja tem. 

FD: Então, na sua opinião, não há problemas?

"Mr. M":
 Agora quem não me ouviu foi você! Eu já falei que todos nós temos problemas. Você já visitou a igreja de Sardes? Tem gente que é membro lá que pertence à sinagoga de Satanás. Você acha que isso é pouca coisa? E em Tiatira, então? Aquela Jeza que eles têm lá. Aqui pelo menos nós não temos nenhuma Jeza.

FD: É que a entrevista de hoje não é com Sardes, nem com Tiatira, é com Éfeso...

"Mr. M":
 Pois é, mas isso mostra que tem gente pior do que nós. Tem gente muito pior do que nós. Pelo menos aqui nóis tem "dutrina" (sic).

FD: Como vocês reagiram à carta que Jesus mandou para vocês, onde há ameaça até de fechamento da igreja?

"Mr. M":
 É... bom... (meio sem graça). Bom, eu não li a carta inteira ainda. Estamos esperando marcar uma reunião com todos os presbíteros, mas está difícil, porque todo mundo trabalha e não estamos conseguindo um horário que dê pra todo mundo estar presente. Mas me pareceu uma carta muito agressiva. Pode ser que ele não tenha tentado dizer isso.

FD: Pelo jeito vocês já leram a carta de Sardes, Tiatira e Laodicéia, não é?

"Mr. M":
 Não, não. Você sabe como são essas coisas. As notícias correm. A gente é de certa maneira uma referência para as igrejas. A nossa igreja foi fundada por Apolo, depois Paulo esteve aqui. Aliás, no tempo de Paulo é que era bom. Mas, enfim, as pessoas acabam procurando a gente para saber a nossa opinião sobre as coisas. Não tem como evitar isso.

FD: Aí vocês conseguem tempo?

"Mr. M"
 (vermelho, irritado): Você está insinuando alguma coisa, meu jovem? A gente ficou sabendo porque nos contaram. Eu não fui atrás de nada. Me contaram. Me contaram.

FD: Seriam bem-vindas mudanças neste momento?

"Mr. M":
 Não tem nada para mudar. Nós sempre fizemos assim. Pedir para mudar depois que a gente se acostumou com este esquema é pedir demais. Tem coisas que algumas igrejas fazem que não é do nosso costume. Ah! No tempo de Paulo... Hoje em dia ficam aí toda hora pedindo mudança, mudança. Precisamos manter as tradições.

FD: Mas parece que a carta que Cristo enviou a vocês exige mudanças.

"Mr. M":
 Eu já lhe disse que não tivemos tempo ainda de analisar esta tal carta. Vamos ver isso com calma. É preciso dar tempo ao tempo. Tem várias maneiras de se derrubar uma árvore. Podemos cortar de uma vez e podemos ir cortando galho por galho. A gente não pode ser radical. Tem muitas famílias na igreja que vêm desde o tempo de Paulo. Não podemos assustar essas pessoas. 

FD: O sr. parece respeitar muito o que Paulo disse. Ele não deixou avisado que havia o risco de lobos entrarem na igreja? Como vocês permitiram isso, se conheciam tanto os ensinos de Paulo?

"Mr. M":
 Não era de nós que Paulo estava falando. Aqui tem gente de personalidade forte, mas lobo não! Não conheço nenhum lobo aqui. Somos todos apenas humildes servos do Senhor.

FD: O sr. acredita que se Paulo estivesse vivo hoje, ele ficaria contente com a situação da sua igreja?

"Mr. M":
 Tenho certeza! Você acha que ele ia querer ser de outra igreja? No meio desta confusão que as igrejas vivem hoje, só nós defendemos a verdade. Paulo nunca ia querer ser membro de outro grupo.


O presbítero "entrevistado" é fictício, mas as respostas a estas perguntas foram ouvidas por este repórter ao longo da vida, em algum momento, em vários locais e situações diferentes. O resultado dessas respostas em Éfeso foi uma igreja sepultada pela história. Hoje, na região onde estava a igreja de Éfeso (a atual Turquia), tem menos cristãos que qualquer igreja de qualquer leitor que esteja lendo esta coluna.


quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Um Deus inconveniente

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O homem se torna idólatra quando tenta moldar um deus à sua imagem e semelhança. A intenção é sacudir de sobre os ombros qualquer tipo de submissão a uma vontade divina, de um Deus de verdade. Fabricando um deus de acordo com a sua vontade, o homem tenta virar sua própria divindade.

Na forma mais rudimentar de idolatria, o sujeito pega um pedaço de madeira, dá a forma que lhe interessa e diz “você é o meu deus”. Ou então, na versão mais cara-de-pau, pode dar a explicação mais esdrúxula de toda a Bíblia: “Eu peguei os brincos e braceletes do povo, joguei aí no tacho e... bingo! Saiu esse bezerro não sei como...” (Arão Óleo-de-Peroba, irmão de Moisés).

Mas na expressão mais sofisticada, fala-se em liberdade total. Você é a sua lei. Faça o que o seu coração mandar. Ninguém pode lhe dizer que algo é certo ou errado, que pode ou que não pode, que é pecado ou não. Essas coisas são tidas como “imposições da religião”, dogmas pautados nos interesses sociais ou econômicos dos grupos dominantes.

E uma vez que não existe pecado que não seja gostoso de cometer (se fosse ruim, quem pecaria?) o Deus da Bíblia acaba se tornando um grande estraga-prazeres, que proíbe tudo o que as pessoas querem fazer livremente. Não, um Deus assim não interessa, definitivamente.

Antigamente, esse Deus era inconveniente para quem não o conhecia. Agora, está ficando assim até para quem afirma conhecê-lo. Até por quem prega em nome dele. Falam de uma graça barata, que não educa para que “renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos no presente século sensata, justa e piedosamente”, conforme Tito 2:12. Mas esse versículo não é politicamente correto. Não é um versículo “firmeza”. Não é legal. Não é amigável nem acolhedor.

A gente quer um “Deus de toda graça”, que nos aceita como somos e deixa a gente ficar como está. A gente prefere dizer que “não sabe porque” não se pode permitir que os que seguem a Jesus continuem vivendo sua velha vida sem ser incomodados. O último que ouvi falar sobre isso, disse que “por ele” (o pastor da igreja) estava tudo liberado. Só não aceitava as pessoas sem mudar de vida porque a comunidade dele ainda não tinha uma “visão alargada” sobre a vida.

O problema é que Deus não se deixa dominar nem controlar. O Deus da Bíblia é indomável. Ninguém lhe diz o que fazer. Então, por mais que se tente, a idolatria da mais simples à mais sofisticada é uma enorme bobagem. Não dá para reduzi-lo a uma peça de louça nem a um conceito.

Se esta verdade lhe soa inconveniente, é melhor você mudar de ideia. Porque mudar de Deus vai jogar você no colo de um ídolo qualquer.



Marcos Senghi Soares

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Você é um cristão-classe-média?

Dia desses deparei-me com a cena: estacionada na esquina, atrapalhando a visão dos outros motoristas, uma dessas SUVs de luxo reluzia em local proibido. O “marronzinho” (fiscal de trânsito) não teve dúvida. Tirou foto, lavrou a multa quando, no meio do processo, apareceu a dona do veículo. Toda madame, salto alto, mais para Terceira Idade, gesticulando e lançando impropérios contra o moço: "E onde você quer que eu estacione o meu carro? Vou andar DOIS QUARTEIRÕES? O rapaz, treinado para situações de histeria sem causa, respondeu educadamente que não era sua função conseguir vagas, mas que o carro estava em local proibido e JÁ estava multado.

É isso que quero dizer quando falo em “mentalidade da classe média”. É verdade que generalizações costumam ser falsas. Há muita gente boa e educada em todas as classes. Aliás, o que é classe média? Eis aí o primeiro problema desta discussão. Não é tão fácil definir. Há diversos parâmetros que podem ser utilizados para isso. Estou me referindo aqui àqueles que ascenderam socialmente e que passam a achar que, por isso, agora podem tudo. São os novos donos do mundo. Esta senhora e sua visão sobre o uso do espaço público são um exemplo disso.

Muito bem. Mas o que tem me incomodado bastante nos últimos tempos é a forma como esta questão vem afetando o jeito de ser dos cristãos brasileiros e suas comunidades. A igreja brasileira está se tornando (em alguns casos, literalmente) uma “igreja classe média”. Não só sob o ponto de vista econômico, mas especialmente no sentido desta malfadada mentalidade. Destaco três tendências que comprovam esta afirmação.

Primeiro, as pessoas estão confundindo os conceitos de servo e voluntário. São parecidos, mas necessária e essencialmente distintos. Voluntário é aquele sujeito que dedica um certo número de horas a uma ONG, por exemplo. Ele sequer precisa ter comprometimento com a causa. Basta aparecer lá e ver o que querem que ele faça. Pode escolher o dia, a hora, o tempo a investir. A classe média adora esse negócio. É uma forma de amainar a consciência pesada. No Reino de Deus, não há espaço para voluntários. Aqui, quem quer contribuir tem que ser servo. Servo se dedica por conhecer quem é o seu Senhor. Faz o que faz por amor a Ele, não pelos seus interesses pessoais. Antes de perguntar: “Por que estão fazendo isso de um jeito que eu não gosto?”, prefere: “Se isso é o melhor para o Reino e para as pessoas, contem comigo.” Serviço voluntário você pode pegar e largar a qualquer tempo. Ministério é para a vida toda.

Segundo, as pessoas estão confundindo contribuição/ofertas com mensalidade. De novo, uma mentalidade tipicamente classe média. Eles pensam que, assim como no clube ou no condomínio, se estão com a “mensalidade em dia”, devem ter direito de acessar a piscina, a sauna, a quadra de esportes. Querem e querem já. E querem do jeito deles. Já vi gente indo embora porque naquele dia não havia classe para crianças e eles “não tinham onde deixar os filhos”. Já vi quem tenha mudado de igreja porque “não tinha ar condicionado naquele calorão” (alguns desses quando chegarem no inferno, como vão fazer??). A ideia é essa: se eu “pago o meu dízimo” (que expressão mais estranha!), eu tenho direito a ser “bem atendido”. Do meu jeito. No meu tempo. Assim como eu exijo dos outros “fornecedores”. Esquecem que a oferta é dada não para ser devolvida em “serviços e benefícios”, nem mesmo para as “melhorias da comunidade”. É dada a Deus. Não é investimento. É adoração.

Terceiro, as pessoas estão confundindo prosperidade com riqueza. A nova classe média experimentou filé mignon e não quer dividi-lo com ninguém. Tem mais dinheiro no bolso mas está cada vez mais pobre de espírito. É por isso que agora eles vão a finos restaurantes e tratam o garçom como se fosse um nada. O dinheiro era o destino, o porto desejado. Agora que chegaram, a vida reduziu-se à mediocridade. Da mesma forma, os cristãos-classe-média agora conseguem comprar casa para férias, pacotes de turismo para o exterior, passeios extravagantes. Nada contra. A não ser pelo fato de que isso passou a ser a prioridade. Não se leva em conta nada que não seja, primeiramente, o conforto pessoal, os pés para cima e a água de coco gelada. Afinal, durante o ano todo a gente dá um duro danado para ganhar, nas férias tem que gastar. Então, durante o ano não temos tempo para o serviço de Deus porque estamos ganhando dinheiro; e nas férias continuamos sem tempo porque estamos gastando... Tal como o povo de Israel no tempo de Ageu, enquanto habitam casas apaineladas, feita de madeira importada, a casa de Deus fica em ruínas. É só verificar, por exemplo, se proporcionalmente ao aumento da membresia e do poder aquisitivo dos membros da sua igreja, aumentaram também as ofertas para obras sociais e missionárias. É só fazer um levantamento de quantos projetos interessantíssimos estão parados por falta de recursos.

Sim, estou generalizando. Sim, você pode ficar ofendido. Sim, você pode pensar que estou com inveja de você (esta é bobagem sua). Mas como a classe média agora tem acesso a tanta informação, pelos tablets, smartphones e demais tecnologias digitais, analise por si mesmo e tire suas conclusões. Se achar que está bom assim, vá em frente.

E não esqueça de levar sua Loius Vuitton a tiracolo.


Marcos Senghi Soares